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do pipo ó copo

Ponte de Prado

do pipo ó copo

Ponte de Prado

ACHAS QUE É FÁCIL? ACHAS?...

Moisés arrastava-se, com a cara no chão, enquanto se aproximava da sarsa ardente, que com as suas chamas iluminava a noite no deserto, obedecendo ao chamamento de Deus.

Da escuridão irradiou uma voz poderosa “Pega nos meus mandamentos e dá-os ao meu povo para que os cumpra e viva segundo os seus preceitos!”

Temeroso Moisés abanou a cabeça em sinal de atendimento, enquanto pegava nas pedras da lei. Prostrado por terra atreveu-se no entanto, a pedir ao seu senhor: ”Meu Deus humildemente te peço se não seria possível aliviares o fardo do teu povo, que muito sofre neste deserto árido e sem vida”.

Fez-se silêncio. O coração de Moisés encheu-se então de medo e começou a recuar, rastejando, com as pesadas pedras no braço…

- Calma. Espera aí – disse-lhe Deus com uma voz calma, suspirando.

Desceu dos céus e colocou-se à sua frente.

- No início dos tempos eu criei tudo o que existe. Criei o que não havia. Nesses tempos criei as leis da natureza, válidas em todo o universo, a que todos obedecem. E também estabeleci que ninguém está acima da lei. Eu podia pôr isto tudo relvado, rios de águas límpidas, árvores de fruto e animais dóceis, para te aliviar o caminho. Podia, mas não posso. Tudo isso ía contra as leis da natureza, que se somam e se cumprem e estabelecem que isto é um deserto que obedece às leis de um deserto…

- Mas tu separas-te as águas e deixaste-nos passar a pé enxuto…

- Isso é muito fácil. Difícil foi inventar um vulcão, um tsunami, e um vento forte de leste. Prejudiquei muita gente… sem contar com os egípcios.

Deus ergueu os olhos ao alto e sentou-se numa pedra.

- É que… que – hesitou abrindo as mãos – Vê se me percebes… posso fazer umas coisas aqui e ali a que eu próprio fecho os olhos. Mas não posso desobedecer continuadamente às minhas leis. Senão seria um fora-da-lei e teria que me mandar prender…

- Mas tu és Deus – balbuciou Moisés, levantando a cabeça, mas olhando para o lado.

- Pois sou. Eu sei que sou. Grande novidade. Mas, vê se percebes, se as criei tenho que as seguir, senão não haveria leis, não era? Se não as seguir então para que as fiz? Por insanidade? Podia alegar a mim mesmo que foi um acto de loucura momentânea? Mas se sou Deus, não posso cometer loucuras, nem tenho insanidades, nem nunca me engano… Tás a ver o dilema?... Eu próprio – apontou a mão ao peito - lixei-me a mim
mesmo.

Moisés recuou então começando a descer o monte…

- Espera aí – pediu Deus – leva só uma tábua da lei. Pronto, ficas só com dez mandamentos, deixa os outros dez. Assim já alivias o povo um bocadinho.

Deus baixou a cabeça e apertou-a entre as mãos. “Merda pra isto”, disse baixinho.

 

O COMBOIO

- Deixa lá. Agora somos os primeiros.

Não tínhamos tido lugar na viagem anterior do pequeno comboio turístico, mas ficámos á frente na fila para a próxima.

Passado um tempo atrás de nós colocou-se uma senhora, baixinha e gorda, com o filho entroncado e gordo. O rapaz não parava quieto e ela repreendia-o repetidas vezes com um estridente “Anda prá ‘qui Marco António”.

- Olha aqui para este menino aqui a dar a mão ao pai. – Virou-se para mim – É seu?

Anui com a cabeça…

- Tão loirinho, e você com o cabelo escuro. A quem é que ele sai assim tão loirinho?

- Sai à mãe - respondi.

- É o primeiro? – Perguntou a sorrir, enquanto passava a mão na cabeça do rapaz, que se escondeu atrás de
mim. O Marco António vendo-a a fazer festas a outro menino, enciumado veio-se meter debaixo do seu braço.

- É… o primeiríssimo… - respondi, enquanto olhava em volta, à procura do comboio.

A senhora cruzou as mãos na barriga, e sorria olhando o meu filho, depois virou-se para mim…

- Não sabe como diz o ditado?... O primeiro sai sempre ao pai, o segundo é que sai à mãe.

EPIFANIA

Naquele tempo, Jesus passeava com os seus discípulos pelo mercado na cidade de Jamirai, e em todos aqueles que a sua sombra tocava ficavam curados das suas doenças, chagas, deformações e pecados.

Josié sentiu um formigueiro nas pernas. Levantou-se de um salto, apalpou os membros, antes inúteis, e de imediato lançou um grito. Correu atrás de Jesus que era rodeado pelo povo…

- Mas quem pensas tu que és?... quem te deu o direito de vires para aqui curar-me – gritava – como é que eu vou ganhar a vida agora?...

Tentou furar pelo meio da multidão, mas não conseguia.

- Maldito sejas! Desgraças-me e vais-te embora. Como é que eu vou viver? Onde é que eu vou ganhar dinheiro agora, sem poder pedir?

De repente viu uma aberta por entre as pessoas, e numa corrida ficou frente a frente com Jesus…

- Quem te deu o direito de fazeres isto – apontando para as pernas – desgraças-me a vida assim sem mais nem menos? Como é que eu vou viver?

- Tenho a certeza que encontrarás o teu caminho, meu filho – disse-lhe Jesus.

- Filho? – gritou – mas quem pensas tu que és para me chamar filho? Eu conheci bem o meu pai, e a ti nunca te vi por aqui. Vai chamar filho a outro – ameaçou de mão no ar, enquanto era empurrado pela multidão, que se afastava.

 

Jamirai dormia á luz das fogueiras, ateadas pelas sentinelas romanas, da casa do governador. De repente gritos lancinantes encheram a escuridão. Josié gritava agarrado à perna, que tinha sido cortada, acima do joelho, a golpe de machado, pelo ferreiro da cidade a troco de duas moedas de ouro…