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do pipo ó copo

Ponte de Prado

do pipo ó copo

Ponte de Prado

A NOTA AZUL

Ao virar a esquina da rua o Manuel viu um vulto a remexer os caixotes do lixo, à procura de comida. Primeiro assustou-se, pois tinha que passar por ele para entrar em casa, e imaginou um cenário de marginalidade, violência e roubo, depois, tendo passado, constrangeu-se por viver abastado e ao seu lado haver quem tivesse de disputar comida no lixo com os cães vadios…

No dia seguinte, ao comentar com a senhora que lhe limpava a casa, o que tinha visto, esta deu-lhe imediatamente o retrato completo da situação…

- É o Zé das couves, coitado do desgraçado. É casado com aquela que passa o dia ali sentada na paragem das camionetas; às vezes são duas da manhã e ela ainda lá está, não sei a fazer o quê; chamam-lhe a “dois euros”, porque ela vai com qualquer um que lhe dê o dinheiro. Você já a deve ter visto, é aquela feiosa com os cabelos todos em pé; eu não sei como há homens que querem aquilo. Dormem naquela garagem que ficou abandonada quando fizeram as obras no cemitério. Ele anda sempre de bicicleta para trás e para a frente, nem sei o que ele faz; mas também quem é que lhe dá trabalho com aquele corpo; não deve poder com um saco de cimento. Mas quando se enerva é lixado: no outro dia zangaram-se e ele deu-lhe uma coça. Era tudo a ver ele a dar-lhe e a mandá-la calar e ela a levar e não se calava…

As palavras da D. Maria, andaram todo o dia a aparecer nos seus pensamentos, e quando chegou a noitinha, já tinha arranjado uma solução. Seja por amor da falecida, pensou.

Dinheiro não era problema; imigrante, ganhou muito dinheiro a trabalhar de sol a sol, sábados, domingos, feriados e dias santos; teve uma empresa de construção, onde fazia questão dos empregados serem todos portugueses. Quando se preparava para gozar a vida com os rendimentos amealhados, enviuvou. Deixou a empresa nas mãos do genro, acompanhou o caixão até ao cemitério da aldeia e não mais foi à França.

Deixou os 20 Euros, em cima do saco do lixo, e correu meter-se no carro que tinha deixado estacionado na parte mais escura da rua.

O Zé das couves apareceu pouco depois. Ao ver a nota, pegou-lhe olhando repetidamente para todos os lados. Meteu-a no bolso rapidamente, abriu o saco e começou a procurar o pão e os bolos que a pastelaria da esquina deixava no lixo todas as noites.

No dia seguinte o Zé viu outra nota no mesmo sítio. Pegou-lhe e olhou-a em contraluz para o candeeiro público. Depois deu dois passos em cada direcção, perscrutando a escuridão. Meteu a nota no bolso e começou a correr pela rua abaixo. 

Vou-me pôr-me aqui a espreitar e ver quem põe a nota, pensava escondido atrás de uma árvore. Mas ninguém apareceu. Passou a hora a que normalmente ia ao lixo e nada. O Manuel viu-o, por acaso e deixou-se ficar dentro do carro. Ria-se baixinho vendo o vulto do Zé escondido atrás da árvore; deve estar todo mordido, pensou, arrancando…

E lá estavam duas notas de 20; a de ontem e a de hoje, disse baixinho. Se não quer que se saiba quem é, quero lá saber, quero é as notinhas.

E durante um mês, todas as noites lá estava a nota azul. O Zé chegava, pegava no dinheiro e desaparecia rua abaixo. 

Mas a rotina instalou-se no propósito do Manuel, e era-lhe cada mais difícil colocar o dinheiro no sítio, à hora aproximada. Começou a falhar aos fins-de-semana. Da primeira vez o Zé estranhou, mas logo depois aceitou o facto. À semana continuava a aparecer certinha no mesmo lugar.

A dificuldade do Manuel em manter os acontecimentos acentuava-se, quando teve a ideia de falar ao Horácio, que tinha sido o seu procurador na gestão de bens enquanto esteve imigrado, e que morava pertinho do depósito do lixo; “…eu dou-lhe de uma vez o dinheiro para uma semana e você coloca aqui, perto das 10 da noite, vinte euros. Para si é só atravessar a estrada. Não compreendo o porquê de estar a deitar dinheiro fora para dar aquele borrachão, disse o Horácio, mas se quer assim, assim será”.

E assim foi, durante duas noites, até a mulher do Horácio, que desde que falaram, se tinha mostrado contra, conseguir demover o marido, tocando no assunto, sempre que se cruzavam, mostrando a sua discordância em tom cada vez mais acentuado. Ainda não tinha esquecido o facto de o Manuel, na juventude, nunca ter reparado nos seus atributos físicos, nem nos seus olhares inquisidores, nos tempos em que se cruzaram na telescola e na  catequese, antes se tendo interessado pela Efigénia, que de tão magrinha parecia tuberculosa. Finalmente a desforra; “não sejas um palerma, um pão mandado. Tem algum jeito andar a deitar dinheiro fora com aquele preguiçoso. Devias ter vergonha de aceitar andar a manter malandros. Aquele também devia ter vergonha de te pedir; dá-lhe mais dinheiro a ele do que a ti, quando lhe tratavas dos assuntos, que nunca teve a ponta de um corno que te desse; não que eu estivesse à espera de nada, mas só mostra quem ele é: um roto… fica mas é com o dinheiro, os malandros que vão trabalhar.

À noitinha ficaram os dois, por trás da cortina a ver o Zé a aproximar-se, a mexer no saco, a procurar no chão, de gatas, beata acesa, enquanto se riam baixinho…

Uma semana e nada de dinheiro, o Zé começava a desesperar, atirando os sacos pelo ar, procurando em todos os cantos, vendo o dinheiro para ao tabaco, os pequenos-almoços no café, e as cervejas, a esfumar-se como numa ilusão. Deixou-se cair de joelhos com as mãos a apertar a cabeça gritando: Meus Deus, tenho a vida desgraçada.

 

UFA.

Hoje à saída da loja do cidadão, encontrei o Fernando. Já não o via há 5 anos, mais mês menos mês.
Estava igual, talvez um pouco mais magro.

Nos poucos minutos que conversámos fiquei a saber que os filhos saíram de casa, e vivem com os respectivos namorados; que o filho era árbitro de futebol, e ele nunca o tinha visto actuar, por ter receio de não aguentar os insultos que lhes chamam, lhe deu um neto muito lindo, mas por problemas de família não tinha ido ao baptizado, e tinha muita pena. A filha estava zangada com ele, por causa da cobra da mãe do namorado que lhe enchia a cabeça, mas que ela ainda havia de ver quem ela era.

Que se tinha separado, partido a montra do café da mulher e destruído o carro à pedrada, e que quando a policia chegou viu que era o seu amigo, o Luizinho, que lhe disse: “Estás armado?” Soube que apertou as partes com a mão e lhe disse “Tu conheces-me pá, sabes que a única arma que tenho é esta entre as pernas.” O Luizinho disse-lhe então para fugir, que era melhor ser fugitivo, do que ser apanhado e ter que pagar as multas todas.

Que agora já estavam juntos outra vez, e que agora era outro homem, que se tinha juntado À IURD, que lhe deu a volta à vida, que era uma maravilha, excepto o ter que pagar, que os gajos estão sempre a falar em dinheiro. Mas é como eles dizem, o dinheiro é teu, e se é teu podes dá-lo a quem quiseres e se o deste é porque quiseste…

Mas era outro homem, que ainda ontem a mulher queria discutir, vejam só por causa do vinho ao jantar, e que se fosse antes até a caneca tinha saído pela janela, mas agora nem bola dava; só foi obrigado a beber mais um copo, para não dar parte de fraco.

E que agora a vida estava mais estabilizada, apesar de ter que ir a tribunal segunda-feira, por causa de uma pastelaria que comprara por sete mil contos e que o senhorio tinha sido um trafulha…

Está igual. Vive como fala. Talvez um pouco mais magro…

 

GUERRA DOS SEXOS

Domingo. Chegados à casa da minha sogra…

- O Padre disse, meu menino, que quem nasceu em 2005, tem que se matricular para ir à doutrina…

- Eia filho, que grande; já vais para a doutrina…

Pôs as mãos nas ancas e um ar carrancudo.

- Não vou nada. Pensas que eu sou alguma menina!

 

THE WEATHER CHANNEL

Ia a um casamento e as sandálias combinavam com o vestido. O Sr. Silva ficou encantado de as vender. Já as tinha desde o inicio da estação, eram bonitas, foram cobiçadas, mas caras, feitas para ocasiões especiais, não combinavam com a clientela do bairro nem com o estabelecimento. Já lhe tinham dito que com umas flores ficavam umas jarras lindas…

“O meu pai trabalha nas finanças…” frisou a cliente enquanto pedia um desconto.

Quinta-feira da semana seguinte. Ao ouvir a campainha da porta, o Sr. Silva desceu do escadote, poisou o pano do pó, deu um pontapé num caixote que lhe estorvava o caminho, e saiu do armazém.

- Olá menina.

- Ora bem, eu vi na internet que ia chover este fim-de-semana, e sendo assim já não quero as sandálias para ir ao casamento, e quero que me dê o dinheiro…

 

TOP

O Top Gear é considerado por muitos, me incluído, o melhor programa de automóveis do mundo.

O Top Gear USA, seguindo os mesmos conceitos não vale nada, em comparação.

Se os carros são os carros, as pessoas são outras pessoas.