Sentado na explanada, bebia uma cola e lia o jornal, deitando um olho ao puto, que se divertia com os brinquedos espalhados num espaço próprio para as crianças. É uma boa ideia de markting, da filha da dona do estabelecimento que anda em Educação de Infância, pois eles trazem os pais…
A dona aproximou-se da mesa, com o passo pesado dos seus quase 100 kg…
- Não ouviu a conversa aí da mesa ao lado?...
- Não estava com atenção. Percebi que estavam a reclamar de qualquer coisa…
- Esta gente está sempre a reclamar. Sabia que a mulher ganha 800 € de rendimento mínimo?...
Fiz que não com a cabeça.
- Pois é. Trabalhava numa fábrica, despediu-se e o patrão deu-lhe o desemprego em troca dos direitos; mamou 3 anos e agora divorciou-se do velhote, que “tava” ao lado dela… Não reparou?... não interessa; aquele é o marido, mas estão juntos na mesma. Divorciou-se, ficou com os filhos à guarda e pimba 800 por mês. 800 que não são 800, pois tem o colégio de graça, e não paga nada nem nos médicos, nem nos hospitais… e isso é muito dinheiro não é?...
- É - concordei…
- Só fico fodida é que ela está sempre a dizer mal do governo. Andam para aí os parolos a trabalhar o mês todo para tirar 500, sim que as das fábricas nem isso ganham, e esta gente leva-a assim direita. Para nós, até é bom que estão sempre aqui metidos…
Andavam faz uma hora, pela noite escura, tacteando os caminho, passo apressado pela esperança.
- Ainda falta muito, perguntou a mulher?...
- Não, mais dez minutos.
Caminhavam em fila, a mulher atrás uns dez passos.
Numa conversa ouvira o capataz da firma, dizendo que à segunda-feira dava no rádio, entre as nove e as dez mensagens dos soldados do ultramar para as famílias. Desde que contou em casa nunca mais a mulher teve descanso...
Mas na terra ninguém tinha rádio. A insistência da mulher venceu-lhe o constrangimento e pediu ao patrão para os deixarem escutar o rádio.
As noticias do filho eram raras, desde que partiu, pr'ai há dois anos. Ele também nem sabia escrever ou ler.
Esperam à porta da casa que esta se abrisse...
Às nove a criada abriu-lhes a porta, e levou-os para uma sala, não sem antes lhes mandar limpar os pés no tapete de entrada. O capataz estava sentado num sofá, junto ao rádio, fumando um cigarro... encostaram-se à parede, ele com o chapéu na mão, fitando o aparelho, ela, chorando baixinho, com as mãos cruzadas sobre o peito.