TEMPOS
Vendo tempo passado
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Vendo tempo passado
O Zé estava lixado com a vida; o ambiente em casa degradava-se e o negócio de construção ia de mal a pior.
Vagueava pela cidade e entrou num bar de aspeto manhoso, pensando que ali estaria à vontade sem que alguém o conhecesse.
Estava perdido nos seus pensamentos olhando o copo de vodka, pensando no sentido da vida, onde teria falhado e porque Deus o castigava.
Numa mesa do canto estavam sentadas três meninas, vestidas de lycra e renda, bebericando uma cola. Uma delas fez um gesto às outras e levantou-se…
- Olá, disse com sotaque espanhol, enquanto se baixava para lhe dar dois beijos. Me pagas um copo, ou queres divertir-te?
Zé mirou-a de cima abaixo…
- C’um carago… Afinal Deus é fino como ò caraças e escreve mesmo bem nas linhas tortas… Domingo, fui a uma missa e tava lá uma gaja mesmo boa, a tocar piano e a cantar aleluias, e aqui nesta tasca, onde um gajo se pode perder, apareces tu que ainda és pior qu’aquilo que tenho lá em casa…
O sol, inclemente,
Incendeia a areia,
Que me queima os pés.
Ando devagar,
Fugindo ao destino,
Dos que caíram,
E se deixaram ficar…
O primitivo instinto,
Não a esperança,
Dolorosamente,
Faz-me caminhar…
No fim deste degredo,
Se lá chegar,
Darei meus ossos,
A quem comprar,
Penhor de 10 rúpias…
Cubro a cabeça, com um pano,
Que não me pertence,
Porque, de meu nada tenho.
Não tenho pai,
Fui gerado pelo ódio;
Mãe,
Amamentado pela fome;
Nem nome,
Para além de “Desgraçado”;
Ou alma…
Porque não existo
Em nenhum coração,
Lembrança, ou lugar,
Que me recorde,
Quando o vento
Deste deserto,
Levar meus passos…
Da vida só levo um sonho,
De umas mãos
Torcendo um pano
Com água fresca,
Cobrindo-me a testa,
Febril de maleita,
Numa noite de luar.
Mas nem sei…