Procuraram um cantinho, o mais escondido possível, no shopping, por trás da escada rolante, onde se abraçaram e beijaram, sossegando os instintos dos seus, talvez quinze anos. Momentos abreviados pelo ronronar dos telemóveis…
Ficaram então, caras encostadas, teclando os aparelhos, em suponho, alegres sms.
- Eu estou a ligar para saber o resultado de uma análise de gripe A, feita ao meu filho na terça-feira…
- Aqui no hospital?
- Sim. Na terça-feira fui às urgências e fizeram a análise e hoje já sabia o resultado…
- Não sei. Não desligue, vou ligar à UCI…
(música)
- Eu estou a ligar para saber o resultado de uma análise de gripe A, feita ao meu filho na terça-feira…
- Sim… mas não é aqui, nós aqui só fazemos os internamentos. Talvez no laboratório. Não desligue, vou passar.
(música)
- Sim laboratório…
- Eu estou a ligar para saber o resultado de uma análise de gripe A, feita ao meu filho na terça-feira…
- E mandaram-na para aqui?
- Passaram o telefonema para aí…
- Mas nós aqui não fazemos as análises à gripe…
- Mas disseram-me que hoje sabiam os resultados e como pode compreender estou um pouco ansiosa.
- Compreendo, mas aqui não sabemos de nada. Vou passar para a UCI…
(música)
- Eu estou a ligar para saber o resultado de uma análise de gripe A, feita ao meu filho na terça-feira…
- Nós aqui não temos acesso às análises. Talvez no laboratório lhe saibam dizer…
- Mas você já me passou para o laboratório, e de lá passaram para aqui outra vez…
- Então não sei. Onde fez a análise?
- Na urgência, na terça-feira.
- Então talvez lá lhe saibam dizer, vou passar
(música)
- Sim? Urgência.
- Eu estou a ligar para saber o resultado de uma análise de gripe A, feita ao meu filho na terça-feira…
- Aqui na urgência não temos acesso a análises. Isso é com o laboratório…
- Mas eu já falei com o laboratório e ninguém sabia de nada…
- É sempre a mesma coisa, ninguém sabe de nada. Mas aqui também não sei. Só se lhe passar para a UCI…
(música)
- Sim? UCI…
- Sou eu novamente. Na urgência ninguém sabia.
- Só se lhe der o número do laboratório do Porto que faz as análises. Pode ser que eles lhe digam alguma coisa.
- Mas a mim disseram-me para ligar hoje para aí que já teriam o resultado da análise. O meu filho está a tomar Tamiflu por precaução e eu quero saber se continuo ou paro com o medicamento.
- Pois, só um momento…
( - Tenho aqui uma pessoa ao telefone por causa de uma análise da gripe. O que é que lhe digo?
- Sei lá! Diz-lhe que depois mandamos uma carta com os resultados.)
(musica)
- Sabe nós depois manda-mos uma carta com os resultados.
- Mas como uma carta. Se já passou tanto tempo, quando a carta chegar já passaram os sete dias de quarentena.
- Pois, mas não lhe posso dizer mais nada… Só se quiser ligar amanhã e fala com o chefe…
- Quando?
- Da parte da tarde. E depois ele já lhe diz como é que se faz…
Será que um casal homossexual também precisará de ter um ano de relações sexuais desprotegidas, para entrar num programa de inseminação artificial, pago pelo estado?....
- Trouxe os medicamentos que a médica de família lhe receitou, D. Flores?
- Não. Esqueci-me completamente… mas eu moro aqui perto e posso ir a casa…
- É melhor, D. Flores… vá e depois continuamos a consulta. Já tenho a sua ficha completa…
Rosa Flores dirigiu-se a casa, apressada… O martírio já durava há tanto tempo; dois anos para ser mais precisa. Maldita alergia. Por causa dela tinha dado a sua cadelinha de estimação.
------//-------
A médica do posto diagnosticou-lhe alergia ao pelo de animais, quando ela se lhe dirigiu, faz dois anos, com os braços e o pescoço vermelhos e empolados, com riscos de arranhões e sangue de tanto ter coçado.
Ainda na última consulta se lhe tinha queixado, apesar de a médica nem para ela ter olhado, enquanto falava ao telefone, e lhe passou as receitas no computador.
- “Rais a parta”, praguejava Rosa Flores, no palavrão mais obsceno que a sua consciência lhe permitia. “Nem para mim olhou…”
A Doutora, sentada na secretária, a falar ao telefone, continuou com o auscultador poisado no ombro, marcando uma saída de sábado à noite com alguma colega, enquanto no computador procurava as últimas receitas e repetia a dose.
- Aqui tem D. Flores, tome estes medicamentos e marque consulta para daqui a seis meses…
- Mas Doutora, esta comichão não me larga, nem consigo dormir…
- Ponha a pomadinha que lhe receitei e nada de contacto com animais…
Passou um mês e nada de melhoras. Era pior com tempo quente. No inverno os sintomas ficavam mais leves. Mas este ano o calor prolonga-se.
Juntou os cinquenta euros e foi à uma consulta de um dermatologista…
------//-------
- Aqui tem Doutor, os remédios que ando a tomar…
- Era o que pensava… Este medicamento aqui, que toma para a tensão arterial, conjugada com a exposição ao sol é que lhe provoca essa alergia. Basta pôr esta pomada que lhe vou receitar e adeus comichão…
- Ai que grande “Filha da Puta”, disse D. Rosa entre dentes…
- Disse alguma coisa D. Flores?
- Não Sr. Doutor, estava só a pensar alto…
E pela primeira vez em meses conseguiu dormir a noite toda